14/01/2016

Viagem Sem Fim

Era um barco de aparência frágil, um minúsculo ponto no meio do oceano. Quando decidiu soltar amarras e fazer-se à aventura, riram-se dele. Acharam que não ia resistir ao embate constante das ondas, aos caprichos das marés, à força seca e por vezes bruta do vento. Ignorou os velhos do Restelo e partiu. Sabia o que queria e mesmo sem mapa estava convencido que seria capaz de chegar ao destino.
Navegou meses a fio de olhos postos no horizonte, à procura de ver terra. E quando finalmente uma trémula linha castanha foi ganhando nitidez, saltou de euforia. Aportou entusiasmado e começou a explorar tudo em volta, mas era uma ilhota pequena e despida. Pareceu-lhe desinteressante e rapidamente se decidiu a seguir viagem.
Partiu sem hesitações, sem sequer olhar para trás: o que procurava não estava ali. Recomeçou a sua busca insistente. Nalguns momentos começava a sentir-se cansado e para recuperar forças deixava-se ficar quieto, de olhos fechados, sentindo o balanço suave das ondas a acariciá-lo. Voltava ao leme recuperado, novamente de olhar posto no caminho em frente e seguro de que chegaria ao destino.
Um dia, quando começava a desanimar, viu novamente um ponto amarelado tomar forma e ganhou velocidade para se aproximar da areia fina que lhe enchia os olhos. Entrou numa baía paradisíaca e sentiu-se em casa. Saltou de euforia, correu às voltas na praia e só depois de recuperar a calma iniciou a exploração. Descobriu montanhas com uma vista de cortar a respiração, quedas de água onde se sentia em paz, florestas luxuriantes, enseadas tranquilas e árvores carregadas de fruto. Sentiu que seria capaz de ficar ali para sempre.
Durante algum tempo sentia-se feliz. Todos os dias encontrava um novo local, desvendava um segredo, somava um novo momento de entusiasmo a tantos que já levava naquela ilha. Vibrava e sentia-se vivo como nunca antes tinha acontecido.
Mas um dia, inexplicavelmente, começou a sentir-se cansado da rotina. As paisagens que antes lhe confortavam os olhos pareciam-lhe subitamente desinteressantes. Por mais que mergulhasse o fundo das enseadas já pouco de novo tinha para lhe dar. Sentia-se inquieto e confuso. Crescia o desejo de voltar a partir, mas tinha medo de não voltar a encontrar um abrigo tão seguro. Tudo lhe parecia perfeito. Mas então por que não se sentia preenchido e em paz?
De tanto pensar no que havia para descobrir no vasto oceano, acabou por decidir a fazer-se de novo ao mar. À sua frente haveria mil ilhas como aquela, se calhar mais perfeitas. Não iria contentar-se com tão pouco para o resto da vida. Quando começou a afastar-se ainda hesitou e por momentos doeu-lhe a alma por ver o que deixava para trás. O mar vasto à sua frente apagou-lhe essa dúvida. Ia prosseguir e fazer novas descobertas. Ia valer a pena, repetiu para si próprio.
Quando a tempestade o agitava no mar alto, acontecia-lhe pensar na segurança da sua ilha e arrepender-se de não ter ficado. Nessas alturas ficava abatido e sentia-se derrotado pela ambição de querer sempre mais. Fixava as ondas e o céu cinzento e desejava que o mar o engolisse. Mas depois de dias à deriva, em que nem tentava aproximar-se do leme e escolher o rumo, o sol rasgava timidamente as nuvens e pouco a pouco a calma voltava a reinar à sua volta. E mais uma vez olhava e procurava entusiasmado, à espera que algo de novo tomasse conta dos seus dias.
Um dia viu e arregalou os olhos com o que via. Era uma formação rochosa gigantesca, sob a qual uma gruta abria caminho para a praia mais bela que já tinha visto na vida. Fez uma entrada tranquila e aproximou-se sem pressas. Iniciou o primeiro de muitos dias de explorações intensas e apaixonantes. A ilha era completa, com paisagens variadas e recursos que pareciam infinitos. Ia envelhecer ali. Não tinha dúvidas.
Não tinha? Não queria acreditar quando pela primeira vez sentiu uma dúvida apertar-lhe o estômago. Sentiu-se minúsculo e perdido. O que lhe faltava? Como saber onde queria chegar? Por que razão nada parecia satisfazê-lo? Seria incapaz de encontrar a sua ilha perfeita, o seu porto de abrigo?
Tantas perguntas moíam. Chegavam a doer de tão fundas. Por mais que olhasse para dentro de si não encontrava as respostas. Tornou-se inevitável partir. Se calhar pertencia ao oceano, não à terra.
Foi a partida mais difícil e angustiada. Por várias vezes voltou atrás e quis pisar de novo a terra. O apelo do mar sobrepôs-se e acabou por se afastar até a ilha já não estar ao alcance do olhar.
Navegava quase sem rumo, mais frágil que nunca. As imagens do passado surgiam-lhe a todo o instante, revia as suas ilhas e as saudades apertavam. Desejava reencontrá-las, voltar a sentir-se feliz. Era preciso muito esforço para se arrancar da letargia em que as recordações o deixavam. Olhava insistentemente à sua volta, na esperança de descobrir alguma das ilhas em que já tinha sido feliz. Em vão.
Quando estava perto do desespero, atirou-se ao mar. Por segundos pensou deixar-se levar sem oferecer resistência, pediu que um remoinho o arrastasse para o fundo. Bastou um segundo sem ir à tona para se arrepender. Nunca desistiria de lutar e procurar. Recuperou o equilíbrio e viu uma pedra brilhante e azulada brilhar no fundo do mar, mesmo debaixo dos seus olhos. Não seria fácil alcançá-la, mas só parou quando conseguiu tê-la na mão. Era uma pedra misteriosa, que parecia sussurrar-lhe quando a aproximava do ouvido. Sentiu-se maravilhado com a força que parecia transmitir.
Quando a fixou com mais atenção, percebeu que tinha os pontos cardeais inscritos e que lhe indicava o norte. Sorriu, subitamente confortado. Não sabia ainda o que tanto mar lhe reservava. Não sabia se alguma vez encontraria a ilha perfeita que lhe acalmasse a agitação interior. Não sabia se voltaria a uma das suas antigas ilhas, que se calhar eram a meta que procurava. Sabia, isso sim, que já não andaria à deriva. A pedra azulada ajudava-o a descobrir o caminho. Por mais que demorasse, o tempo haveria de lhe dar as respostas certas. Os mistérios do desconhecido já não o assustavam.

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